sexta-feira

AMOR PERFEITO

Fabrício Carpinejar
Namoros e romances interrompidos provocam uma irritante pergunta anos depois: como seria a minha vida se estivéssemos juntos? Novos relacionamentos não apagam a lembrança interrogativa. A marca. O número do telefone na agenda. A ausência de uma última chance. A esperança de um encontro acidental. Um desejo pela metade ainda é um desejo inteiro. O amor não se encerra, se abandona. Amor com dedicação dos dois, e dedicação é compreensão, não pode dar errado. O que dá errado é o medo da responsabilidade, que gera cobrança. Quanto maior a chance de vingar o amor, mais se cria um jeito de interrompê-lo. São detalhes bobos e tremendamente ridículos que costumam separar. Um pouco de esforço, um pouco de paciência e nada teria acontecido. O orgulho é um péssimo confidente e não deixa voltar atrás. Amor não é fácil. O que é forte perturba, não acalma. Não conversei até esse momento com nenhum apaixonado com a cabeça no lugar. Todos estão sem cabeça e uma boca imensa a murmurar sozinha. Assim como os separados têm suas razões e concordo com ambos os lados. Mas por que os separados tem tanta necessidade de explicar o fim do namoro ou do casamento? A gente só explica o que não conseguiu entender. Minha culpa é explicativa, minha confiança é lacônica. O amor que tinha tudo para ser ideal e não foi sofre do "passado do umbigo". O passado do umbigo é acreditar que a época mais feliz já aconteceu entre os dois e não há maneira de repeti-la. Concordo: não há como repeti-la. Só que o passado do umbigo não permite que a felicidade cresça de outra forma, diferente da circunstância anterior. A mínima mudança de repertório e ambos ficam chateados. Não percebem que mudaram de emprego, mudaram de idéias, mudaram de rotina. E por que não podem mudar a forma de amar? Termina-se prisioneiro do início da relação e não se busca amadurecer a diferença, e sim insistir, em grau da chatice máxima, com a semelhança (meu otimismo diz que sou muitos mesmo quando estou sozinho; um de mim deve prestar). Outro sintoma que enfraquece o amor é a aparência diante dos colegas e conhecidos. Na hora que o par escuta: "vocês fazem um casal perfeito", cuidado, esse elogio é perigoso e apressa o vinho. Os dois são tratados como casados ainda que namorando. "O que queremos?" assume a condição deturpada de "o que eles vão pensar?". O casal passa a viver mais para fora do que para dentro de casa. A expectativa dos outros contamina a pureza do trato, do convívio, a solidão de raríssimas estrelas e terra escura. Namorar assume o despropósito de desfilar. Há tanta gente metendo bedelho na história que o par não consegue escutar suas vozes e vontades. Casal perfeito é o que se separou alguma vez para voltar mais sereno e apaixonado.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado