Ao fazer meu check-in no terminal do aeroporto,
empaco e crio fila. Não superava a etapa: qual o contato de emergência? Nome?
Telefone?
Não digitava nada. Quem colocar? Quem vai velar
por mim depois que você foi embora?
Sobrevivo assim a maior parte do tempo.
Quando ando pela rua, reviso os bolsos,
fraquejo com a memória, me assusto com as coincidências. Saio de casa com a
impressão de que deixei a cafeteira ligada, a porta destrancada.
Qualquer atitude esconde sua ausência. Todo
lugar que já estivemos me rebobina. Olho, e me perturbo. Se avisto um twingo,
corro para ler a placa. Se percorro Ipanema, vejo sua sorveteria predileta e
minha boca procura reaver o cheiro de pistache. Quando atravesso a faculdade,
recordo o quanto desejava ter um leão de pedra no pátio de sua casa. São
observações aleatórias, coisas que diríamos.
De tanto antecipá-la em pensamento, hoje minhas
palavras me atrasam.
Nem dormindo não tenho paz. Eu me acordo cinco
vezes por noite. Consulto o relógio a cada duas horas até amanhecer. Despertar é
uma vitória, como uma festa ruim que dependemos de carona.
Antes explicava para as pessoas que estava
separado. Agora cansei. Se me perguntam de sua presença, respondo: — Tudo bem! E
terminou o assunto. Explicar constrange.
O que mais me atormenta é que os amigos e
familiares usam o mesmo bordão para me acalmar:
— Vai passar.
Não é um conselho alegre. Não me tranquiliza
saber que terminaremos.
É uma advertência que me desespera. Não
gostaria que passasse.
Eles não entendem que não sofro porque o amor
acabou, sofro para não acabar o amor.
Sou contrário ao término, me oponho à nossa
extinção.
Sou o único que resiste contra o fim de nossa
história.
Eu não quero que passe. Mas sei que vai
passar.
Sei que o amor vai morrer desidratado, faminto,
por absoluta falta de cuidado.
Vai passar, infelizmente.
Tudo o que a gente construiu junto vai
passar.
Tudo o que a gente idealizou, inventou e armou vai passar.
O lugar no peito que recebia seu rosto para
dormir vai passar.
Nossos apelidos, nossos chamados, nossas piadas
vão passar.
Por mais que acredite que seja impossível, irei
namorar de novo, me apaixonar, casar e rir docemente sem culpa.
Vai passar.
Não superamos os medos, sucumbimos na segunda
crise, desistimos de insistir.
Somos fracos, somos influenciáveis, somos
tolos.
Foi muita incompetência de nossa parte.
Não seremos inesquecíveis.
Vai passar.
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""Erótica é a alma""
Adélia Prado