domingo

AMALDIÇOADO DE TERNURA

Fabrício Carpinejar
Ela me disse não, mas entendia sim. Ela me dizia sim, mas entendia não. Não demoro em voltar. Não demoro em sair. Não demoro. Se tenho algum segredo, faz de conta que é ela. Todo começo é uma desistência. Queria me abençoar lambendo as patas como um animal. Se eu tivesse sido feito para calar, não gemia. Não posso ficar olhando demais para ela, senão ela me exclama. Não posso ficar olhando de menos para ela, senão ela me interroga. Palavra é coisa de pegar com a boca. Não me poupo nenhum sofrimento, muito menos a alegria do sofrimento. Engolir a dor dá soluço. Se só bebesse água potável, não beberia minha vida. Não peço desculpas para não perder os meus erros, para tê-los sempre como filhos perto de mim. As dificuldades me prendem mais do que os hábitos. O cacto é amaldiçoado de ternura. Seus espinhos são caules. Quero acreditar que me abandonei por convicção. Sou do outro mundo para me espiar em segredo. A loucura é quando não basta a liberdade para ser livre. Meus olhos ficam gratos quando o fogo acena e penso que é comigo. Por piedade, não me deixes viver o que posso, que me seja permitido desaprender os limites.

Um comentário:

  1. Bianca,... adorei o blog e, muito especialmente, esse texto. Que angústia maravilhosa esse querer desesperado. 'A loucura é quando não basta a liberdade para ser livre'. Isso é real. Voltarei depois para ler mais de sua arte. Grande abraço!

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado