sexta-feira

QUANDO VOCÊ RECOLHEU MEU CORPO

Fabrício Carpinejar
Amor, sabe quando eu senti que poderia ser seu?
Talvez nem recorde, não faça importância, pode parecer mais um tolice.
Na primeira vez em que dormimos juntos, depois da nudez esfriar, você
esqueceu suas roupas no sofá e apanhou minha camisa do espaldar da
cadeira. Não, eu não a alcancei. Você pegou, com um desembaraço
esquisito, uma certeza de que não dependia de licença e permissões. Eu
fiquei assustado com sua naturalidade.
Cheirou as mangas, a inocência do olfato ao colher uma erva nova.
Colocou a camisa deixando a gola solta. A longa camisa entreabrindo os
seios. Voltou para perto de mim e procurou a região acolchoada de meu
peito. Adormeceu.
Eu não dormi para observá-la. Você se casou comigo ao vestir minha
camisa. Não foi depois; foi naquele instante em que dividimos nossas
primeiras roupas após dividir o corpo. Minha camisa a protegeu do
inverno que insistia em ventilar pelas frestas. Você pensou que ela
continuava meu corpo. Eu pensei que você continuava meu corpo.
Minha camisa como um vestido, beirando os joelhos. Minha camisa
trocando de lar, de lado. Assumindo seu perfume, suas curvas, tomando
a estrada da serra para a praia.
O grito, o gemido e o suspiro conversavam ao mesmo tempo em sua boca.
Em nenhum momento, vacilou, admitiu dilemas, fraquejou em engano. Toda
elegância é decidida. Puxando minha camisa para sua cintura, você
organizou meus olhos, abriu os botões e os dias que viriam.
Uma mulher não usa a camisa de um homem se não pretende morar com ele.
Está vestindo a casa.
Veste a manhã seguinte em plena noite.
Uma mulher não recorre a roupa de um homem à toa, percebe-se
protegida. É uma escolha que decidirá as demais perguntas. Um ato de
admiração, que tornam os lençóis secundários.
É uma troca secreta de aliança. é bem mais do que levar a escova de
dente para ficar na residência do namorado. Um sinal de aceitação
mútua. Alguns casais não notam esse detalhe e se separam.
Você misturou nossas vidas, nossos armários, nossos pertences. Nada
mais era meu, nada mais era seu.
Ao receber de volta a camisa de manhã, eu não consegui lavar. Já era
sua pele. Inundada de esperança.

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