O que é o amor do amor?
Essa intriga ficou como uma úlcera me gastando em segredo.
Estava lustrando meus sapatos de manhã. Não renovava esse gesto artesanal desde adolescente. Retomei com gosto a importância de me agachar para as miudezas.
Despir os cadarços. Alternar a escova, a cera, e o pano. Descobrir as frestas e as ranhuras. Ocultar as pedradas da superfície, limpar os peixes de couro, reconhecer a sola e sua gula pelas profundidades pedregosas. Herdar unhas encardidas e o brilho dos pares ao final.
Os sapatos envelhecem juntos. Eles se igualam com o uso. Não há maior, nem menor. Adquirem a bondade da experiência. A generosidade da estrada.
E cheguei à conclusão de que o amor do amor é estar junto em qualquer região da linguagem.
Linguagem é mais do que lugar. Linguagem cria o lugar.
É a capacidade de dizer qualquer coisa para sua companhia e não ser classificado de grosseiro, deslocado, ridículo.
Não enfrentar uma revista ao embarcar para a viagem pelas vogais. Não ser indiciado. Desfrutar da confiança da observação e da amizade espirituosa.
Ser compreendido no ato. Ou antes mesmo.
Levar alguém para todo o país de sua imaginação.
Intimidade de olhar para a boca mais do que para os olhos, como dois apaixonados aguardando o beijo.
Quando posso ser sarcástico, debochado, pornográfico, poético, ingênuo, idiota, cínico, crédulo com uma mulher e não preciso me explicar, traduzir e pedir desculpa. E ainda parecer genuíno. E ainda parecer engraçado. E ainda parecer justo. E ainda parecer ousado.
Ser estimulado a não mentir.
Ser vários, e não perder a unidade. Ser muitos, e não perder o endereço.
Há algo mais vexatório do que brincar e outra pessoa permanecer séria? Estar se divertindo e ser julgado? Propor relações inesperadas e ser encaminhado para o chat de tortura?
Amor do amor é quando deixamos a expectativa pela esperança. Deixamos de repetir o que ela ou ele deseja ouvir, para se contentar com o que ouvimos. É uma imensa falta dentro da presença, uma imensa concordância dentro da discordância.
O amor é o contexto para aquilo que não tem explicação. O amor é sempre contexto para pensamentos desconexos, palavras excitadas.
Amor do amor é quando não nos envergonhamos de nada. Não há medo de dizer, pensar, errar. Quando o nosso pior continua sendo o melhor para quem nos acompanha.
Essa intriga ficou como uma úlcera me gastando em segredo.
Estava lustrando meus sapatos de manhã. Não renovava esse gesto artesanal desde adolescente. Retomei com gosto a importância de me agachar para as miudezas.
Despir os cadarços. Alternar a escova, a cera, e o pano. Descobrir as frestas e as ranhuras. Ocultar as pedradas da superfície, limpar os peixes de couro, reconhecer a sola e sua gula pelas profundidades pedregosas. Herdar unhas encardidas e o brilho dos pares ao final.
Os sapatos envelhecem juntos. Eles se igualam com o uso. Não há maior, nem menor. Adquirem a bondade da experiência. A generosidade da estrada.
E cheguei à conclusão de que o amor do amor é estar junto em qualquer região da linguagem.
Linguagem é mais do que lugar. Linguagem cria o lugar.
É a capacidade de dizer qualquer coisa para sua companhia e não ser classificado de grosseiro, deslocado, ridículo.
Não enfrentar uma revista ao embarcar para a viagem pelas vogais. Não ser indiciado. Desfrutar da confiança da observação e da amizade espirituosa.
Ser compreendido no ato. Ou antes mesmo.
Levar alguém para todo o país de sua imaginação.
Intimidade de olhar para a boca mais do que para os olhos, como dois apaixonados aguardando o beijo.
Quando posso ser sarcástico, debochado, pornográfico, poético, ingênuo, idiota, cínico, crédulo com uma mulher e não preciso me explicar, traduzir e pedir desculpa. E ainda parecer genuíno. E ainda parecer engraçado. E ainda parecer justo. E ainda parecer ousado.
Ser estimulado a não mentir.
Ser vários, e não perder a unidade. Ser muitos, e não perder o endereço.
Há algo mais vexatório do que brincar e outra pessoa permanecer séria? Estar se divertindo e ser julgado? Propor relações inesperadas e ser encaminhado para o chat de tortura?
Amor do amor é quando deixamos a expectativa pela esperança. Deixamos de repetir o que ela ou ele deseja ouvir, para se contentar com o que ouvimos. É uma imensa falta dentro da presença, uma imensa concordância dentro da discordância.
O amor é o contexto para aquilo que não tem explicação. O amor é sempre contexto para pensamentos desconexos, palavras excitadas.
Amor do amor é quando não nos envergonhamos de nada. Não há medo de dizer, pensar, errar. Quando o nosso pior continua sendo o melhor para quem nos acompanha.
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""Erótica é a alma""
Adélia Prado