segunda-feira

FALTA MUITO PARA CHEGAR À SALA


Fabrício Carpinejar


Eu falo homens, mas entenda como a primeira pessoa do singular. Como homem, há um equívoco irreparável. Ele supõe que transar com uma mulher é tê-la. Esquece que transar com uma mulher pode ser perdê-la. Oferecer o corpo ainda não é oferecer a cozinha, oferecer o território sutil das lembranças e vontades. Chegar à sala é mais complicado do que chegar ao quarto. O raciocínio é mais complexo: amar, na visão masculina, significa se perder. Protege-se, então, de amar porque não mais será o mesmo. Será ela. Transar não significa posse, mas ele já quer se sentir desobrigado de reconquistar. Recompensado do esforço de se entregar, como se a doação fosse um pré-requisito para a estabilidade. O homem depende de recompensas para continuar. Só vai com a convicção de voltar a ser ele mesmo. Até admite ser ela no início do namoro, desde que não seja ela durante. O homem desiste de seduzir uma única mulher, pois se irrita com a insegurança. Ele precisa ter certeza de que a mulher o espera. Não retribui a ponto de fornecer a certeza de que ele a espera. Foi criado para conquistar, como já pontuou Sílvio Vasconcellos na caixinha de comentários. Enamorado, o homem se dedica tanto para a relação engrenar que não verifica se há reciprocidade. Convencido, não convence. Não vai checar se ela está respondendo como ele. Dar e receber estão misturados, embaralhando o discernimento. Um dos males do amor é a crença de que não se está amando sozinho (grande parte das vezes, é o que acontece). O que o outro não diz, subentende-se. Subentende-se o que não se disse. O narcisismo ilude o amor. O homem finge que é romântico, para provar que é vulnerável. Ele não é romântico. A mulher finge que não é romântica, para não parecer vulnerável. Ela é romântica. O homem nasceu para a devoção do começo, não para a compreensão dos problemas. Repleto de fascinação pelo novo, reverencia qualquer atitude ou hábito dela. O modo como penteia os cabelos, abraça o travesseiro, geme para a comida, seus penduricalhos na parede, sua bruxas no bidê, o celular rosa. Enquanto projeta a diferença com seu mundo, encanta-se. À medida que iguala os mundos, afasta-se. Enquanto se vê escolhendo, fica. Quando não há escolha, parte. Identifica o casamento como uma prisão, uma cilada, uma armadilha. Na última semana, comemorei efusivamente a notícia do enlace de meu amigo Júlio. Ele me entreolhou, curioso: - Você é o primeiro a me cumprimentar. Os demais só criticaram e me falaram barbaridades. O homem tem a cabeça de gomos, deixa rolar, pois não suporta o intervalo do primeiro tempo. Sofre com sua objetividade. Uma mulher não deseja que o homem faça o que ela deseja. Ele conclui que deve fazer o que deseja. Conclui errado: não nota que ela também não deseja que ele faça o que deseja. O que ela pede, então? Uma prova: não ser ela nem ele. Ser outro homem, resultado dos dois.

Um comentário:

  1. Fabrício Carpinejar escreveu uma parte do que é a minha vida. E, se admitirem, parte da vida de todos os outro homens. Mas, tá bom assim...

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado