quinta-feira
Insônia
Fabrício Carpinejar
Quem já não ficou sem dormir por um amor?
Conversando a infância e a morte como dois adolescentes. Procurando memória para imaginar. Medindo os braços com a boca. Não achando a maçaneta dos olhos.
Abraçados como dois pugilistas recuperando o fôlego.
A lutar contra o sono. As pálpebras frágeis como cadeiras de praia. Senta-se ao fundo para não cair.
A porta está ali e não serve. O telefone está ali e não serve. A janela está ali na condição de espelho.
Apaixonar-se é não ter para onde ir porque já se chegou. É não ter como fugir porque já se encontrou. É não ter mais escolha.
O cansaço vai agravando a verdade. Não há mentiras, não há esconderijos, não há roupa para disfarçar a palavra.
Os travesseiros são duas crianças brincando de estátua.
Continua-se a conversa sem compreender. Continua-se para compreender.
Os problemas somem e se redimem. As estrelas param de beber. Os telhados param de fumar. Os insetos apagam as lâmpadas.
Os vícios são perdoados pelo viço.
O rosto expulsa o vidro com cuidado. Como se o acidente daquela madrugada fosse liberar os estilhaços no decorrer dos anos.
Não deveria ser permitido receber tanto. Não deveria ser permitido dar tanto. Inventa-se uma dor para suportar a alegria.
O que foi vivido mudará. O que não foi vivido perturbará.
Todo adeus será covarde. Não pode ter sido tudo aquilo - não pode ser só aquilo.
Nada apagará a intimidade do homem ser louvado pelos seios, ser preso pelos quadris, represado pelo pescoço.
O cansaço da insônia é maravilhoso. O cansaço da insônia do amor é maravilhoso.
Dorme-se no trabalho depois, dorme-se no ônibus depois, dorme-se sentado depois.
Passar uma noite acordado por uma mulher é ganhar uma vida para dormir em segredo.
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Adélia Prado