Bianca Alves
Há alguns meses, talvez 1 ano, li uma matéria sobre o
quadro de demência do Nobel de
literatura, Gabriel Garcia Marquez... É impossível não se emocionar imaginando
que o mestre, o meu, esqueceu de Macondo, da morte de Aureliano, da solidão dos
Buendia, da beleza assustadora de Remédios, da força de suas mulheres,
encarregadas de prover seus lares, educar seus filhos, enquanto seus homens
sonhavam, desbravavam o desconhecido, faziam peixinhos de ouro e gastavam
fortunas em cartas de amor, será que
você não lembra do corpo nu de Fermina Daza diante dos olhos ansiosos de
Florentino Ariza, depois de esperar longos 51
anos, nove meses e quatro dias, eles se amaram como adolescentes, descobrindo a
fina flor do amor, será que não restaram nem as memórias das putas, moças
tristes, nos seus quartos silenciosos e perfumados de dor, colônia barata e
sexo.
“O sexo é o consolo que a
gente tem quando o amor não nos alcança.”
Você lembra dos gostos, do perfume na
boca de Florentino na tentativa de beber o gosto dela, do cal nos dedos de
Rebeca, dos cheiros das amêndoas, pólvora, das cartas que nunca chegaram, das
mãos queimadas de Amaranta.
“Nem sequer levantou os olhos para se apiedar dela, na tarde
em que Amaranta entrou na cozinha e pôs a mão nas brasas do fogão, até doer
tanto que não sentiu mais a dor, e sim o fedor de sua própria carne chamuscada.
Foi uma dose cavalar para o remorso.”
Lembra
dos sons da pianola de Pietro Crespi, do linho branco da
roupa de Santiago Nasar antes da sua
morte anunciada, o reencontro de Ângela Vicário e de Bayardo San Roman.
“Certa
madrugada de ventos, no décimo ano, acordou-a a certeza de que ele estava nu em
sua cama. Escreveu-lhe então uma carta febril de vinte páginas e na qual deitou
sem pudor as amargas verdades que guardava apodrecidas no coração desde a sua
funesta noite. Falou-lhe das marcas eternas que ele havia deixado em seu corpo,
do sal de língua, da trilha de fogo de sua verga africana. Entregou-a à
funcionária do correio que, nas sextas-feiras, à tarde, ia bordar com ela para
levar as cartas, e convenceu-se de que aquele desabafo final seria mesmo o
último de sua agonia. Mas não houve resposta. A partir de então já não tinha
consciência do que escrevia nem a quem escrevia; continuou, porém, escrevendo
sem quartel durante 17 anos “
Lembra do medo da morte de Maria dos
Prazeres(risos), da santa sem peso levada ao papa pelo seu pai(homem temente),
as borboletas amarelas de Mauricio Babilônia.
“a guarda abateu Mauricio Babilônia quando
levantava as telhas para entrar no banheiro onde Meme o esperava, nua e
tremendo de amor, entre os escorpiões e as borboletas, como havia feito quase
todas as noites dos últimos meses. Um projétil incrustado na coluna vertebral
reduziu-o à cama pelo resto da vida. Morreu de velho na solidão, sem uma
queixa, sem um protesto, sem uma só tentativa de deslealdade, atormentado pelas
lembranças e pelas borboletas amarelas que não lhe concederam um instante de
paz e publicamente repudiado como ladrão de galinhas.”
As aulas de amor de Pilar Ternera
(toda ternura), você não se aluga mais pra sonhar, não mais escreve cartas aos
generais, recorda o que o médico disse a mãe de Florentino?
“e a mãe se aterrorizou porque seu estado não se parecia com
as desordens do amor e sim com os estragos do cólera. O padrinho de Florentino
Ariza, antigo homeopata que tinha sido confidente de Trânsito Ariza desde seus
tempos de amante oculta, se alarmou também à primeira vista com o estado do
enfermo, porque tinha o pulso tênue, a respiração
rascante e os suores pálidos dos moribundos. Mas
o exame revelou que não tinha febre, nem dor em nenhuma parte, e a única coisa
que sentia de concreto era uma necessidade urgente de morrer. Bastou ao médico um interrogatório insidioso,
primeiro a ele e depois à mãe, para comprovar uma vez mais que os sintomas do amor são os mesmos
do cólera.”
Começo a
confundir os personagens, tantos, nessa travessia poética na tentativa (boba)
de te fazer lembrar, lembrar suas obras, também é lembrar de mim, impactada
ainda cedo pela descrição minuciosa de tantos homens e mulheres que nunca me
deixaram sozinha, sua memória descansa para que eu lembre do dia em que me
apresentaram a beleza.
Obrigada, Gabo.
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