quinta-feira

Minha primeira namorada

Fabrício Carpinejar



Ela não me abraça, está com a ternura tão à vontade que não depende de um gesto de aproximação.


Não a beijo, mas não poderia existir maior intimidade do que segurar sua mão.

O pão só miolo de sua mão. Sua mão: pálpebra de minha mão. Lembro que suas saias eram lençóis que acordaram. O conjunto retirado do enxoval pela sua mãe. Recortado como se não tivesse sido outra coisa.

Ela é a porta daquela casa, daquela tardezinha, daquela Guaporé preto-e-branco. Tenho cinco anos, ainda não entrei na escola, ainda não sofria a obrigação de me traduzir. Faço um sinal com a boca. Meu pai pede para sorrir, minha boca miúda escapa do controle do rosto e olha para a menina.

Sou seu guardião, apesar dela ser mais alta. Mesmo de pé, minhas pernas estão sentadas. A bota ortopédica me levanta alguns centímetros. Exibo uma espada de madeira, que servia para protegê-la dos bichos do quintal (galos, cachorros e animais invisíveis).

O amor não significava uma ameaça. Não tinha que acontecer, acontecia. Era amizade, a vontade de estar junto, a confidência de crescer e não se mostrar crescido. Não nos cumprimentávamos, chegávamos.

Não havia necessidade de esconder nada, havia pouco espaço em mim; deveria sonhar mais do que vivia e me lembrar dos sonhos logo que despertava.

Veja o vão direito da entrada. Um braço está pendurado, o corpo todo escondido. Um braço de folhagem guardando-se do humano. Não sei quem é. Talvez seja um irmão ou irmã dela. Talvez seja ela adulta espiando o que já foi. Ou querendo me avisar que nunca estaremos completos na fotografia.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado