quinta-feira

Mocreia

Fabrício Carpinejar

Eu descobri o que é a vulgaridade: o desinteresse.
Quem fala um palavrão apaixonado não será vulgar. Não será tosco. Acredita naquilo, colocará sua vida entre os dentes para estalar o chicote do desaforo.Quem fala um palavrão por estilo, sem necessidade, acaba se vulgarizando.Quem se oferece por excitação abarcará o peso da palavra dita, da palavra retirada, não será vulgar. Abraçará o suspense entre o pensamento e o som. O único acordo ortográfico que conheço é conciliar o que se pensa com aquilo que se deseja e conseguir ser compreendido.Quem se oferece por hábito e técnica será tão vulgar quanto a marca do biquíni acima da calça.A indiferença é vulgar. Não são vulgares a sensual abaixadinha e cada um em seu quadrado. O funk pode ser explosivo.Não são vulgares os saltos enormes, os lábios pintados de vermelho ou o laquê ou qualquer adereço escandaloso. Um travesti pode ser muito elegante.Vulgar é quem cobra por apresentação da alma durante as folgas. Não escuta os outros, não se reparte, confia que o amigo é espectador e que todos estão adorando sua companhia.Há uma diferença entre a vulgaridade e soberba. Alguns merecem a soberba. Há uma diferença entre a vulgaridade e a maldade. A maldade tem sentimento.Dei um giro noturno com minha namorada e sua amiga. Em cada bar que entrávamos, ela passava a mesma cantada ao porteiro com o interesse de arrebatar privilégios e uma mesa maior. Entoava um sopro infantil, acentuava os joelhos numa oferta despropositada. Sua voz era pedófila.Bonita, pernas trabalhadas pela dança, vestido curto, rosto carismático, mas vulgar. Não alterava nunca a velocidade dos olhos não importando a lembrança. Falava com desdém, com certeza de toga emprestada para a formatura. Não estava familiarizada com o talvez, a dúvida, a hesitação. Unicamente admitia se corresponder na quarta e quinta marchas. Não voltava atrás num assunto, não dava a mão para uma conversa, não declinava de uma opinião. Seu lema: ou me acompanhem ou deixo vocês. Ela se via como a gostosa, a poderosa, a invencível, mas vulgar, porque não conquistou em nenhum momento o direito de ser conhecida. Demonstrava um talento absurdo para grosserias. Foi com o garçom, foi com o vizinho do balcão, foi com os colegas que encontrou na rua, foi comigo.Brincava que minha namorada me chamava de gay heterossexual. Pelo excesso de cuidados e gentilezas. Ela nem me encarou. Virou os cabelos, abstraída de ternura:— Se não fosse tão feio, seria gay.Desprezou sua amizade antiga com a namorada, desprezou o que eu significava, cometeu um preconceito longe da paciência para convertê-lo em piada.Vulgar. Como animais em cativeiro. Ela não sabe, nem saberá, até para avisar de nossa morte dependemos de pele.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado