Fabrício Carpinejar
Ela vai envelhecer para o carteiro, que passa por ela às 11h, com sua sacola azul e seu escapulário sobre a camisa amarela. Ela vai envelhecer para os colegas do Ensino Fundamental. Ela vai envelhecer para suas amigas do Inglês. Ela vai envelhecer para seus vizinhos, que disputam orquídeas nas varandas. Ela vai envelhecer para seus amigos de infância, que somente conhece pelos apelidos. Ela vai envelhecer para seus animais de estimação, mortos e vivos, lembrados ou esquecidos. Ela vai envelhecer para a floreira da esquina. Ela vai envelhecer para a menina da janela que espera a mãe voltar do almoço. Ela vai envelhecer para seus filhos, que comentarão com piedade entre si que ela já não é a mesma. Ela vai envelhecer para seus alunos, que ainda dirão que está conservada. Ela vai envelhecer para as balconistas do mercado, do banco, das lojas, que não se incomodarão em verificar o saldo. Ela vai envelhecer mudando de roupa, conferindo o batom no espelho, alisando o quadril pelos bolsos de trás. Ela vai envelhecer a cada gripe mal curada, a cada choro engasgado. Ela vai envelhecer ao estender suas toalhas. Ela vai envelhecer ao aproximar incrivelmente os olhos dos livros. Ela vai envelhecer em sua melhor risada. Ela vai envelhecer ao renovar a carteira de identidade. Ela vai envelhecer ao cobrir as rasuras da geladeira com imãs, as falhas das mesas com fotos. Ela vai envelhecer para seus irmãos que moram longe. Ela vai envelhecer quando alguém abraçá-la na rua: “não acredito que é você”. Ela vai envelhecer na primeira reforma da casa, mais ainda ao migrar de casa. Ela vai envelhecer ao desistir da calça de cintura baixa. Ela vai envelhecer para seu analista. Ela vai envelhecer para seus colegas de trabalho. Ela vai envelhecer para os garçons, para os mendigos, para os vendedores de jornais na sinaleira. Ela vai envelhecer, por mais que seu rosto não se apresse no bom-dia ou suas pernas cancelem o boa-noite. Ela vai envelhecer descendo as escadas. Ela vai envelhecer ao sair do cinema. Ela vai envelhecer quando não for compreendida, continuará envelhecendo ao ser entendida. Ela vai envelhecer tomando banho de sol, de mar, de vento. Ela vai envelhecer ao perder a contagem dos números romanos. Ela vai envelhecer com as veias saltando, com a pele de vidro. Ela vai envelhecer ao trocar as sardas pelas manchas. Ela vai envelhecer ao suspirar mais do que o chá. Ela vai envelhecer com sapatos usados uma única vez. Ela vai envelhecer com vales de números quebrados. Ela vai envelhecer ao recuperar sua boca no buquê do vinho. Ela vai envelhecer ao não dar conta do serviço. Ela vai envelhecer pela cervical. Ela vai envelhecer ao escorregar os pés para o fundo das poltronas do avião e do ônibus. Ela vai envelhecer ao deixar cair o guardanapo de pano. Ela vai envelhecer ao escutar a música favorita de sua adolescência. Ela vai envelhecer ao tingir seus cabelos brancos. Ela vai envelhecer ao sentir a urgência do casaco dentro da cama. Ela vai envelhecer como um pião envelhece na corda, como uma colcha envelhece em seus retalhos, como uma criança envelhece ao aprender a escrever. Ela vai envelhecer para os outros. Todos os outros. Eu é que não saberei de nada disso envelhecendo com ela.
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""Erótica é a alma""
Adélia Prado