domingo

NÃO DEIXAR PARA DEPOIS

Fabrício Carpinejar Os casais esperam a noite para o sexo.
O sexo como recompensa de um dia movimentado do trabalho, da maratona com as crianças, de uma série de pensamentos cortados. É a pequena glória de intimidade diante das conversas apressadas e da ânsia em resolver as pendências diurnas.
Alisar os pés, ouvir, ser ouvido, beijar longamente, aquecer a porção da pele dentro da boca.
Mas a televisão estará ligada e um programa despretensioso suga atenção mais do que o previsto.
Mas o filho demora a dormir, e não faz por mal, conta histórias inacreditáveis da escola e seu cheirinho de borracha nova impede de soltar o abraço.
Mas toca o telefonema e você atende num ato reflexo, é um grande amigo que não aparecia há séculos, e entabulam um manancial de fofocas sobre vivos e fantasmas. Impossível de desligar.
Mas o nervosismo de decisões sobrepostas no emprego produz – agora no alívio do quarto - uma enxaqueca inesperada que parece desculpa para não transar.
E você, por mais bem intencionada, por mais que tenha aguardado com banho tomado e perfumada, por mais que a lingerie nova e sexy aperte a bunda, por mais ninfomaníaca que seja, não trepa!
Cancela o desejo; e novamente acontece um dos contraceptivos intelectuais acima; e vem o dia seguinte e o dia seguinte.
Quando percebe, está por três semanas a seco com o marido.
Os casais não podem mais confundir o sexo como prêmio da quietude. Quando a casa acalmar, e ninguém mais incomodar.
Sabemos que é o ideal, só que o ideal demora ou nem acontece.
Ou os dois vão dormir ou não suportarão o próprio cansaço.
Uma coisa é teorizar, outra é contar com a sorte.
Não ajuda a mania de ter controle sobre o mundo e de planejar os incidentes. Por palavra ou esgar, o casal cobrará entre si a demora, a falta de tato, os adiamentos.
Alguém lamentará: - Você não me ama mais.
Alguém responderá: - É você que não me espera.
É uma lição que os amantes já aprenderam. Melhor perder a idealização do que a gula. Romantizar é antecipar, não deixar para depois.
Aliás, os casais deveriam revolucionar os hábitos e passar a transar de tarde, no intervalo do almoço, na trégua da tarde. Rapidinhas ou não. Deixar os amantes sem quarto em motéis. Deixar os amantes nas lombas com o freio de mão puxado. Colocar latinhas na parte traseira do carro para produzir barulho de lua-de-mel. Encher os estabelecimentos em seqüência com os letreiros de “lotado”. Não esperar a hora mais apropriada, namorar como no início da relação, voltando para casa de modo imprevisto, abrindo frestas, surgindo da neblina, desmarcando reuniões.
E, de noite, desobrigados, aí sim, se surgir clima, será uma recompensa.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado