quinta-feira

O QUE EU DIRIA PARA VOCÊS DOIS

Fabrício Carpinejar
O amor é uma loucura para todos, menos para os dois apaixonados.
A solidão de um apaixonado seria insuportável se não houvesse uma testemunha.
Solidão já é difícil, quando acrescida de segredo não tem cura.
Uma solidão sem acesso.
Mais grave do que Barreirinhas no Amazonas,
onde só se chega de canoa.
A solidão do apaixonado é uma mentira que cria uma nova mentira para proteger a verdade.
A verdade está contaminada. Não há como estabelecer a origem.
O apaixonado não andará de gangorra. Não há peso.
O desejo emagrece o corpo.
Os apaixonados são inoportunos, indecisos, péssimos amigos.
Não procure um apaixonado para falar as novidades.
Ele reprisa sua língua.
Eles passam o dia fazendo nada.
Mas é um nada trabalhoso, um nada polido, articulado,
um vazio severo que engole o sono.
Pensar no outro é um trabalho urgente para entregar na manhã seguinte.
São folhas e folhas em branco, lidas linha por linha.
Tentar escrever exige mais revisão do que escrever.
Tentar falar exige mais voz do que falar.
Não estão interessados em combater o desânimo.
Crescem por surtos. Aumentam por sustos.
Os apaixonados são extremamente solitários em suas decisões.
Eles não têm como contar o que estão sentindo.
Inclusive porque são impressões mais do que fatos.
Como narrar estremecimentos, silêncios, hesitações,
gestos indiretos?
Falta coerência, sobra sentido.
Ensaiam uma conversa ao tomar uma xícara de café,
mas o barulho da colherinha afasta a coragem.
Qualquer barulho que não seja o do corpo incomoda.
O apaixonado caça a transparência e encontra a confusão.
Repete a conversa pelo esforço de retomar o fio da meada.
Não pode explicar o que está acontecendo - nem ele sabe.
Ele não esclarece seus lapsos.
Não poderá falar com o pai, não entenderá.
Com os irmãos, não entenderão.
Com a mãe, não entenderá.
Com os amigos, não entenderão.
O terapeuta até entende, mas não vale,
representa uma opinião profissional e o amor é destinado aos amadores.
O apaixonado evita o julgamento.
Vira um menor de idade, quase a pedir autorização para viajar.
Cochicha com os cachorros, os travesseiros e os livros.
Foge de si pelos fundos da casa.
É igual a um biólogo, obrigado a cadastrar o que não estava procurando.
O apaixonado é o material não-identificado que vai para a gaveta.
O amor está errado para todos, menos para os dois apaixonados.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado