segunda-feira

DESISTÊNCIA?


Fabrício Carpinejar

Não recrimino quando uma amiga me diz que largará o marido ou o namorado, que ele tem feito somente mal, que não suporta seu egoísmo e seu descaso, e na semana seguinte faz as pazes com ele e todos os meus conselhos são virados de lado como rascunho para anotar telefone. Não recrimino nada quando é amor. Não recrimino porque entendo que ao lamentar "tudo está terminado!", ela está somente começando a terminar. Nem de longe é uma conclusão, talvez seja uma descrença. Não recrimino quando ela me observa com compaixão e confessa que teve uma recaída com ele, que não foi tão bom assim, quando sei que foi o suficiente para ela deixar - durante um mês - mais um botão aberto de sua blusa. Não recrimino suas reincidências - o corpo tem lembranças próprias. Não recrimino quando ela chega aos lugares que freqüentava com ele e jura que o esqueceu. Jura que foi lá se divertir com os amigos, mas escolhe a mesa de frente à porta, para imaginá-lo entrando com alguma roupa que ela deu de presente. Não recrimino quando declara que ele é passado quando não vê futuro. Não recrimino quando ela escolhe a lingerie, se prepara no salão, fica ainda mais bonita, para despistar o abrigo que veste por dentro. Não recrimino sua alternância entre a depressão e a euforia, a fragilidade de sua opinião. Não significa que não cumpriu as promessas. As promessas mudam. Não recrimino quando ela é seca nas mensagens, mas demora imensamente entre uma letra e outra. Não recrimino sua compulsão em contar a mesma história do início do relacionamento, de fazer as mesmas perguntas para ter as mesmas respostas, de me usar para não sentir tão sozinha em sua solidão. Não recrimino porque já fui separado, já fui solteiro, já fui casado, já fui o que não quis ser, já doeu uma alegria, já gargalhei uma dor. Não recrimino quando uma mulher se aproxima dos amigos do ex, somente para continuar falando dele. Não vou arrancar dela a necessidade de reconstituir o seu cheiro. Não recrimino a loucura de esperar uma ligação e culpar os que ligam pelo simples fato de não serem ele e ainda ocupar a linha. Não recrimino o choro, o chocolate, a falta de vontade, as palavras que não se formam a tempo de virar palavras. Não recrimino. Sei que desistir é ainda aguardar, que separar-se não é abandonar quem amamos.

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