terça-feira

ELA NÃO SABIA ANDAR DE BICICLETA


Fabrício Carpinejar


Minha mulher um dia confessou que não sabia andar de bicicleta. Enlouqueci. Jurei que fosse zombaria, disse que não era possível, mas ela insistiu como um pão puro: "eu não sei". Um pão puro, sem que submetesse ao sabor da manteiga e da geléia. A partir daquele momento, fui tomado pela missão de ensiná-la. Ela não me esqueceria se a conduzisse pelas costas, como se faz a um filho, dando um impulso e fingindo que permaneceria junto quando já não estava. Teria a paciência de voltar e prosseguir o exercício várias vezes. Se ela caísse, beijaria seu machucado e explicaria que isso é normal, que deveríamos insistir para que nada ficasse em aberto, sem tentativas. Beijaria seus ombros para empurrá-la com a boca. Recuperaria seus anos perdidos e devolveria sua caligrafia. Cheguei à ambição de deduzir que havia casado com ela apenas para dar o prazer dos pedais girando e do vento esculpindo o pescoço. Pois vivo à espera de uma chance de ingressar perenemente na vida dela. Percebi que era uma delas. Sonhava que me levaria depois na garupa, e ela olharia para trás, perguntando-me se estava indo muito rápido. Num entardecer, na praia, em fevereiro, iniciei minhas aulas. Era patético meu tom professoral diante da espontaneidade do mar. Imprimia sermões, alheio às cambalhotas das gaivotas bicando a espuma, dos surfistas conversando relevos e das crianças recolhendo a ressaca das conchas com baldes coloridos. Ela fingia que me ouvia. Raro ouvir qualquer coisa com a areia subindo ardilosa pelas pernas, como mosquitos invisíveis. Ela sentou no banco, decidida, e correu em linha reta. Sem parar. Foi como uma locomotiva, pedalando exaustivamente em direção às dunas. Fugindo de mim, fugindo de si, da família que não a concedeu nenhuma bicicleta no Natal ou no aniversário para reconhecer as casas antigas e o feitio das calçadas. Fiquei perplexo, nulo de reação. Não a amparei, talvez tenha gritado: "mais devagar". Talvez não tenha soltado o grito da âncora, por não conter seu peso sozinho. Ela não caiu, não bateu em nada, não se afogou no ímpeto. Desceu da bicicleta mansamente e voltou caminhando para mim. Como alguém que não depende mais da pressa para desembarcar em casa. Confessou com um fôlego um pouco cansado: "eu sei andar de bicicleta, eu só não sei fazer curva". Era eu que precisava ensiná-la, ela não precisava aprender.

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