quinta-feira

Dos amores possíveis


Marcelo Maroldi

Amor possível:
1. É dito daquele encontro sincero entre dois seres humanos que desejam construir algo de verdadeiro juntos, em regime de cumplicidade.
2. Utopia.
3. O mesmo que fantasia.
(Pequeno dicionário Maroldi do amor)


No filme Buena Vista Social Club, Compay Segundo, ao falar de amor e de sua admiração pelas mulheres, diz que a coisa mais bonita que existe no mundo é o amor e que “uma noite de romanticismo não tem preço”. No começo eu discordava dele, cubano maluco!, depois passei a entendê-lo e, agora, quase concordo com aquele cantor boêmio. No meu estágio atual de maturidade, acredito que uma boa história de amor é o que realmente interessa nessa nossa vida. E não é preciso ser muito esperto para reparar que boa parte dos filmes que assistimos, dos livros que lemos, das lendas, das novelas, etc., são histórias de amor, simples e cafonas, recheadas com outras histórias menores, satélites, para que possam prender a nossa atenção. E prendem. Na realidade, não conseguimos fugir do rótulo de animais sentimentais, não nos despimos jamais da necessidade de encontrarmos o amor..., um amor possível. E essa não é uma busca simples.
O amor possível é aquele amor que hoje está em desuso, ultrapassado, gasto como o coração dos que nele acreditam. É buscar por algo cada vez mais raro, menos recorrente, menos encontrado, mas sempre buscado. Um santo Graal praticamente. Ora, se o desejo de todo ser humano é viver um amor de verdade, um amor possível, por que isso está cada vez mais distante? Por que o número de casamentos aumenta em todo o mundo e o de separações também, em proporções até maiores? Por que não é mais um fiasco um matrimônio qualquer durar 2 ou 3 anos? Por que cada vez mais se busca um amor possível e cada vez menos se encontra?
Sim, você deve estar pensando: se eu casar e não der certo, vou buscar um novo amor, um possível, não vou ficar confinado em uma relação infeliz. É verdade, é verdade... Mas, quantas vezes temos que errar até dizer “é esse”! O blogueiro (e poeta) José de Morais pergunta: “por que amar se a perda é tão dolorosa?” Ele dá como certo a perda. E não deve existir ninguém que goste de separações, afinal, quase sempre elas deixam marcas profundas, às vezes cicatrizes para toda uma vida. Ainda mais quando você pensava ter encontrado um amor possível...
Entretanto, pior que perder um amor possível é nunca tê-lo encontrado e desconfiar timidamente que estes só existem mesmo nos filmes ou na televisão. E, então, se você por acaso ficar de cara com ele, é lutar bravamente contra isso, agarrando-se ferozmente a qualquer coisa que possa fazê-lo desistir de embarcar nessa aventura napoleônica. É, porque amar é se aventurar, não há dúvidas (Amar/ é mergulhar de cabeça/ sem saber nada/ sem saber de nada/ ao seu encalço/ numa piscina/ como um camicase/ pulando do último/ do mais alto trampolim/ de mim/ sem asa delta/ salva-vidas, pára-quedas/ sem perguntar/ sem sequer pensar/ se lá embaixo/ vou encontrar água/ ou o ladrilho do vazio?, Armando Freitas Filho). E “se se morre de amor”, como versejou Gonçalves Dias, bom, o jovem Werther morreu, como tantos outros, não concordando com aquele poeta.
Meses atrás recebi uma encomenda de um amigo meu, um que não morreu de amor, mas quase viu a luz definhar no final do túnel interminável. Eu deveria escrever um texto chamado “receita para se esquecer um grande amor”. Algo bem simples, trivial, quase infantil,... tão infantil que ele ainda não recebeu nada e continua me cobrando a encomenda (mas que vai sair). Outro amigo (só tenho amigo sentimental!, uma benção), mais experiente, com uma relação estável e verdadeira, possível, disse-me certa vez que ainda amava cada uma de suas ex-namoradas. Não deu certo, paciência, mas ele as tinha no coração. Não é que ele as amava como mulher, como sua atual mulher (que, segundo Martinho da Vila, é sempre a mais importante, claro!), não é isso! Acho que ele quis dizer que se apaixonou por elas, aprendeu com elas, mas não deu certo, sem mágoa, sem pranto, sem nada, só mais uma série na escola da sua vida. E ele segue em frente, feliz por ter amado. Eu pensei 2 dias inteiros nessa declaração dele... achei-a bela como nada que alguém jamais tivesse me dito até então e me achei um fracassado por não pensar como ele e nem permitir que quem esteja comigo pense assim.
Encontrar um amor possível é ganhar na loteria. É ter a certeza de que você recebeu um presente de um valor inestimável, o qual só poderá pagar tornando-se você mesmo um companheiro de verdade, sendo você também adepto – e praticante – do amor possível. É dividir o pouco que se tem e desejar ter mais apenas para dividir mais. É querer vivenciar em 2 todas as coisas desse mundo. É querer viver no outro, e com o outro dentro de si. É queimar no quintal todos os presentes das outras relações, é esquecer de todas as demais pessoas do mundo, pois somente uma única te interessa. É sair cedo já pensando em retornar, e abrir mão das suas coisas para viver as do casal. É acreditar que viverão juntos para sempre e que cada um fará sua parte para que isso aconteça. É querer ser feliz, ser um casal, amar.
Porém, se é tão bonito assim, por que nossos olhos vêem traições, nossos ouvidos escutam mentiras e nossos corações disparam sem razão no meio da tarde por insegurança, medo, decepção? Por que nosso mundo se tornou um lugar tão frio?, onde amar o outro com toda força da alma é sinal de fraqueza, de submissão, de tolice? Até quando vou presenciar meus amigos romperem casamentos de menos de 3 meses de duração?, ouvir histórias de adultério, ver tantas lágrimas nos olhos dos românticos sofredores, dos poetas e dos bêbados desesperados? Por que, hoje, ser um sonhador e acreditar no amor verdadeiro é se sentir cantando Los Hermanos: “eu preciso andar um caminho só” (bom, "só" não é, mas nessa estrada anda pouca gente, certamente)?
Nas novelas, quando estas estão próximas do fim, casamentos acontecem, filhos nascem e, evidente, os coitados sofredores arrumam bons partidos. Isso é certo!, final de novela até o figurante aparece de mão dada, sorrindo, exibindo seu amor possível. E, nas discotecas, por exemplo, às 3hs da madrugada, somente se observa gente feliz a se beijar, e o cheiro mesclado de tequila, hormônio e perfume (serve sabonete) a se misturar, a invadir o ambiente transformando-o num repositório de milhares de amores possíveis bem ali na sua frente, uma fantástica explosão de amores possíveis. Também quero.
E, andei pensando: por que os que cantam as nossas dores de amor vendem tanto e os que poetizam essas mesmas dores são menos conhecidos que a empregada doméstica do Ronaldinho? Eu, por exemplo, não faço distinção, não acho justo! Eu ouço músicas bregas, tristes, de suicidas, leio todos os poetas (os tristes), vejo os blogs dos desesperados, assisto os filmes onde o casal se separa, um deles morre no final, essas coisas, e, pasmem, ainda acredito no meu amor possível, sabe? Antes eu justificava dizendo que “a culpa era desse mundo agreste que me deu uma alma agreste”, mas, depois que uma menina muito chatinha passou a me plagiar (ao Graciliano, na verdade, mas ela nem sabe), parei. E então, quando eu quero culpar o mundo por ele não me dar o que eu penso que mereço (o meu amor possível), aparece alguém para me puxar a orelha. Ou para me fazer apaixonado novamente, a escrever as minhas sentimentalidades quase juvenis. Se vale a pena seguir?, não o sei, mas é o único jeito de encontrar o que procuro, encontrar o que nem sei se existe, encontrar o meu amor possível.

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