terça-feira

MINHA MULHER

Fabrício Carpinejar

Minha mulher, teus olhos, teus óleos, tua forma de me abençoar com os seios. Dá-me a estrada entre o quarto e teus joelhos. Cada sopro teu é o fim de uma reza obstinada, sem amém para separar os pensamentos. Teu rosto, com a cintura fina do pescoço, um violino que se inclina todo na direção de meu ouvido. A blusa desabotoada, o tecido do tecido, todo botão solto se despede do dia. Eu te acaricio mais com a memória das mãos do que com as mãos. Minha mulher, teu ventre empurra a respiração ao quadril, com a curiosidade de um rio que visita a cidade. E até o teto é solo de ervas, germinado. Cheiro teus cheiros, como quem amarra o trigo antes da ceifa. Cheiro tua boca com a boca, como amoras que estalam nos dentes. Teus cabelos não se repartem, eles se derramam como fogo. Um fogo que se faz de pedra na pedra, azul arvorado, escorado no vento. Minha mulher, o desejo não conhece pudor, cautela, pruridos. O desejo se desconhece para se amar como um estranho. E estendo o lençol contigo dentro, o pão se espalhando pela fome. E te persigo, te peco, te perdôo, te condeno, te liberto, tudo ao mesmo tempo de tudo. Tuas pernas abertas em minhas pernas fechadas, tuas pernas fechadas em minhas pernas abertas. E o espaço que não se devolve nem com a morte. Nego o açúcar, apresso a sede, até encontrar a luz úmida. E beijo a lâmpada da nuca como se fosse tarde. Ninguém quer sair, ninguém quer voltar aos seus limites. O corpo não esfria com o sono. Me antecipo naquilo que imaginas, para que aconteça o que não sabemos. Quando acontece, parece que foi imaginado. Teus pés giram como um leme, dando um sentido à espuma e às tábuas de cedro alinhadas. E amanhece o dorso como se fosse treva e alvorada misturadas. E quero tocar até o que não pode ser visto, ser descrito pela terra do teu corpo. O ar treme, o verão só pode ser recordado por um outro verão. Minha mulher, tuas costas têm mais altura do que as palavras que não nasceram em casa. Te insulto com tanta ternura, que minha raiva te chama para perto do que não tive. Minha mulher, o caminho aberto pela dor serve para a alegria. Somos capazes de destruir um ao outro, mas nunca temos nada a perder, nunca tememos o que não pode ser perdido. Sou teu invento, não me dês um nome, não me dês a hora de partir ou chegar, me assassina com tua infância, me desordena com tua falta de liberdade. E não me deixes escrever o que não foi segredo. E nunca me deixes escrever sobre tua letra.

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""Erótica é a alma""

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