quinta-feira

INDECISÃO

Fabrício Carpinejar

Ele reza toda noite para encontrar outra mulher. Não é força de expressão. Tudo para esquecer alguém que sequer diz sim ou não, que não descarta a possibilidade, muito menos assegura certezas. Ele tem namorada. Ela tem namorado. Há três anos se amam em segredo e explodem quando juntos e se esfriam quando separados. Não mudam de vida. Ele já arriscou completamente: ficou solteiro, se distanciou dela, avisou que não mais se encontraria e não houve jeito de convencê-la. Mas ao receber uma mensagem dela no celular, ele corre para tentar de novo. E tenta como se fosse a primeira vez. E tenta como se fosse a última vez. Por fora, já desistiu. Por dentro, sempre descobre alguma desculpa para recomeçar. Ele não se sente vivo para fazer mais do que isso. Ele não se sente morto para desistir. Perdeu a confiança ao longo do período. Não entende o que o impede de ser feliz com ela. Em si, não estão as respostas. Em si, está a falta de respostas. "O que fazer?", ele me pergunta. A vida costuma troçar dos indefinidos. O natural é que nem ela nem ele fiquem um com outro e com seus respectivos pares. Cada um partirá para uma terceira opção. Porém, não posso recorrer a cálculos genéricos quando se trata de amor. Amor é trabalho. Pode-se conquistar por simpatia e carisma em fração de segundos, mas para viver junto é necessário longa persistência e vontade. Amar não é um dever, e sim um direito. Quando se torna dever nasce a cobrança, a rotina e a dependência. Ela tem o direito de escolher - o que não está fazendo -, ainda que seja errado. Ele me questiona: "Pode ser afirmação pessoal?" Respondo que sim, não há paixão que não seja também amor próprio. Elegemos para amar quem precisamos ser. Ao mesmo tempo, deve-se tomar cuidado para não confundir amor com obsessão. A obsessão não inclui a generosidade. É egoísta, quer apenas o par para servir seus propósitos e envaidecer suas opiniões. A situação dele está no limite entre a repulsa e a atração. Hoje, mesmo sendo o amante, é ele que se vê traído e não suporta imaginar o que ela faz sem ele. Não percebe uma recompensa pela sua dedicação, ainda que tenha a consciência de que o amor não traz recompensa, não é seguro de vida. O impasse dos dois é que nunca se doaram por inteiro, para ver se realmente são complementares. São metades cômodas se desperdiçando e se consolando. Da minha parte, não conviveria com essa dúvida de que poderia dar certo e não deu. Viver durante décadas com a sensação de que não se foi até o fundo. É preferível conviver com a frustração do que com o medo. Ele reza toda noite para encontrar outra mulher. Constatou que não adianta rezar contra ela. Ela é a sua fé.

2 comentários:

  1. "Ela é sua religião", é o desfecho do texto. Por que a alteração?

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  2. Corrigindo. O texto tem outras alterações, trechos que não correspondem ao texto original, contido no livro "O amor esquece de começar". Por quê?

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado