terça-feira

UMA CONVERSA DE AMOR COM MINHA FILHA

Fabrício Carpinejar


Vi que minha filha de doze anos estava encabulada e arredia comigo. Tentei me aproximar. - O que houve? - Eu não sei o que é amor, respondeu. Eu não sei se te amo, amo minha mãe, amo o mundo. Às vezes amo, outras vezes o amor é somente companhia do amor que aconteceu. Não respondi com pressa. Fui pesquisar em mim. Retirei-me para pescar cigarras nas árvores. Por mais profana a dúvida, ela tem razão. Temos o amor como algo definitivo. Imutável. Uma comoção com início, sem fim. Mas nem sempre sentimos amor por quem amamos, pode ser o conforto do amor que já sentimos. O passado do amor. O amor é nostálgico e se fortalece em desenterrar os ossos. O amor tende a ser lembrança do amor. Melhor seria se fosse presságio do amor. Uma vez dito: eu te amo, a impressão é que o amor tende a crescer e nunca terminar, que ele já fez seu trabalho e agora tem direito a descansar. O amor não tem domingo. Talvez se transforme em uma crença: eu amo aquela pessoa e pronto. Nada é capaz de dissuadir a afirmação do contrário. Isso é um erro. O amor é contrariar o próprio amor, para afirmá-lo em seguida. Não acaba de seduzir. O amor é seduzir a si mesmo, depois de seduzir alguém. O amor não é uma verdade, muito menos uma mentira. Está se convencendo de que existe. E existir depende de não se convencer. Corresponde a uma descoberta inventada. Descobre-se um sentimento que a gente inventou. Inventar é permitir que cresça a empatia, que a paixão se instale, que faça sentido, que até se aborreça de não ter chegado antes. No amor, ninguém entra sem pedir licença. Ninguém entra sem a concordância do outro, ainda que involuntária. Ninguém entra sem um "amém", um "obrigado", um "estava esperando", uma saudade, um aceno, uma necessidade. Mas amar é justamente não ter certeza. Não encerrar o assunto. Ama-se aos bocados, não ama-se como um pacote turístico, com passagens, hotéis e passeios orientados. Amor é sofrer a inexistência do amor. Combater com mais amor o que está se esgotando. Amor é reconhecer a possível ausência do amor em alguma hora e recomeçar. É identificar a condição de já ter sido mais forte e remar violento com a boca em direção ao fundo. Nadar na alegria do desespero. Houve dias que minha filha não me amou. Houve dias que minha mulher não me amou. Houve dias em que eu não amei. Mas houve dias em que minha mulher me amou em dobro, que minha filha me amou em dobro, que eu amei como se não houvesse um entardecer do braço. Antes de dormir, apareci para minha filha e conclui: - Amar é não parar de perguntar. Ela virou o rosto para o travesseiro, enfiou o pescoço na coberta e me confidenciou: - Então, eu te amo pai, mas não espalha.

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