sexta-feira

Dolores

Adélia Prado

Hoje me deu tristeza,
sofri três tipos de medo
acrescido do fato irreversível:
não sou mais jovem.
Discuti política,
feminismo,
a pertinência da reforma penal,
mas ao fim dos assuntos tirava do bolso meu caquinho de espelho
e enchia os olhos de lágrimas:
não sou mais jovem.
As ciências não me deram socorro,
não tenho por definitivo consolo o respeito dos moços.
Fui no Livro Sagrado buscar perdão pra minha carne soberba e lá estava escrito:
"Foi pela fé que também Sara,
apesar da idade avançada,
se tornou capaz de ter uma descendência...
" Se alguém me fixasse,
insisti ainda, num quadro, numa poesia...
e fossem objetos de beleza os meus músculos frouxos...
Mas não quero.
Exijo a sorte comum das mulheres nos tanques,
das que jamais verão seu nome impresso
e no entanto sustentam os pilares do mundo,
porque mesmo viúvas dignas não recusam casamento,
antes acham sexo agradável,
condição para a normal alegria de amarrar
uma tira no cabelo e varrer a casa de manhã.
Uma tal esperança imploro a Deus.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado