quarta-feira

Amar dois


Martha Medeiros

Você ama João. E ama Jorge. E acha que está ficando louca.

Amenize este diagnóstico. É possível – e nem tão raro assim – amar duas pessoas ao mesmo tempo. Este “ao mesmo tempo” lhe dói, não lhe parece coisa de gente séria, mas lembre-se: você ama de maneiras diferentes. Ninguém possui o poder de saciar 100% outra pessoa. Nesses vácuos é que nascem outro amores.

Você ama João e sua ternura, ama João e seu poder tranquilizante, ama João e a segurança que ele lhe dá, ama João em baixa velocidade, ama João a passeio, apreciando a vista.

Jorge, ao contrário, é mais agitado, desperta em você ansiedade e adolescência, você ama o que Jorge faz com você, e do jeito que faz: com pegada, sedutoramente.

Você ama o que João tem de paz e o que Jorge tem de visceral, você ama o que cada um deles lhe completa. O normal seria isso, amarmos mais de um para alcançarmos integralmente a nós mesmos, mas a regra é clara: não mesmo. Se vire com um só.

E a gente obedece, reza, livrai-nos de todo mal, ó Pai. Escolhe um, o ama, mas sente falta de si mesmo, de desenvolver um outro lado que este amor único não atinge. Separa, casa de novo, agora é outro amor, ama, e ainda não se sente totalmente preenchida. Um dia acontece: dois amores. Um mais constante, outro de vez em quando. Um amor adulto, outro divertido. Um amor de infância; o outro, de aventura.

Tudo isso existe, persiste, insiste em acontecer. Tudo por baixo dos panos, tudo velado, mentido, confessado apenas nos consultórios de analistas e nas mesas de bar, entre amigos de muita confiança. Será que algum dia poderemos falar disso abertamente, em voz alta, fora dos livros, do cinema, na vida cotidiana da gente?

Enquanto ninguém se atreve, mulheres e homens que atravessaram a fronteira da monogamia seguem felizes da vida – e infelizes da vida.

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado