sexta-feira

Aquele beijo

Fabrício CarpinejarPode-se gostar de uma mulher, mas o beijo, não há como despistar o beijo. Enganar o beijo.

O beijo diz se devemos ficar ou não. O jeito do beijo. O temperamento do beijo. O caráter do beijo. Não se mente o beijo. É como se não houvesse um corpo, um degrau, é um sopro circulado, uma neblina desenhada, a respiração voltando.

O beijo. O beijo de Ana acima de todos os beijos. O beijo dela. O beijo que já foi filha, já foi mãe, já foi namorada. Não é o beijo com medo. É o beijo que me faz beijar de um único jeito. Com o beijo dela. Ou é ela que beija o meu beijo. Não há mudança de beijo, é um só beijo, que não se interrompe mesmo com a voz ou com o silêncio. É um beijo vírgula do beijo. Um beijo possessivo que anda. Um beijo que não engole. Um beijo que cede espaço para a mão. Um beijo gentil, não menos apaixonado. Um beijo que deixa a língua ser língua, o dente ser dente, que não cala. Um beijo que fala enquanto beija. Um beijo que não lava, que leva, um beijo que protege para se expor. Um beijo que é decidido, não arrogante. Não um beijo que conduz, um beijo que informa.

Não o beijo solitário, o beijo viúvo, o beijo desquitado. Não o beijo de provocação, o beijo carente, que poderia ser feito sozinho.

Há beijo que boceja no beijo, beijo que lê no beijo, beijo que não beija porque lambe ou sussurra, porque morde ou varre, preocupado em ser outra coisa que não o beijo.

Não gosto do beijo que vai colando selos. Sem língua. Um beijo de afogado. Um beijo sem personalidade, que logo separa o corpo, porque é mais corpo do que beijo.

Se um não está apaixonado, o beijo é uma boca sem ritmo. Uma boca sem repetição. Uma boca sem vizinho, sem ouvido, uma boca acenando porque esqueceu de seguir.

O beijo é traficante. O beijo é viciado. O beijo não quer ser nada mais do que beijo. O beijo é trocar o parágrafo, não trocar de texto.

A Ana não beija assim. Seu beijo trança os olhos, tranca o quarto. Estou com seus cílios enquanto a beijo. Seu beijo me chama antes do nome. Seu beijo avança os seios. Seu beijo quase me atrapalha. Seu beijo vento de seu beijo.

Mas não adianta procurar o beijo de Ana em outra mulher. A Ana beija dentro de mim, mas não está em mim. O beijo dela depende de imaginá-la me beijando no momento em que realmente me beija.

O gosto do beijo não é o gosto da boca. O gosto do beijo é o que a boca deseja. Há beijo que é mais boca do que beijo. Um beijo que é mais escova do que esponja, mais pausa do que pouso. Um beijo que não volto. Sei pelo beijo que não volto. Um beijo de quem não chupa. Um beijo de quem não mente. Um beijo de quem realmente não foi beijada mesmo beijando. Não foi sinceramente beijada. Um beijo imitando beijo, simulando o beijo, ensaiando o beijo. E não entenderá porque o beijo foi embora. O beijo é a vontade da perna quando o braço cansa, é a vontade da cintura no pescoço. O beijo de Ana. Um beijo que nunca completa a saudade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

""Erótica é a alma""

Adélia Prado