terça-feira

CURIOSIDADE SELVAGEM

Fabrício Carpinejar
Quando perdi a virgindade, não cansava de cheirar minhas mãos. Como uma criança quando inspeciona as mangas da camisa. Uma curiosidade selvagem. Nas mãos, a fotografia da minha virilidade. Nas mãos, a umidade derramada da fruta que acabara de descobrir. O derrame da fruta. Um cheiro que nada conseguiria me explicar além do olfato. Um cheiro que pedia que nunca mais a lavasse. Que colocasse minha saúde em risco, se fosse o caso. As mãos que foram devassas incitadas pelos dentes. Que procuraram um lugar fora de mim. E não desejavam retornar ao alistamento da espuma. Que gostariam de tomar banho seco a partir de agora, como os passarinhos na terra fofa da praça. Eu me embriagava com os dedos. Os dedos que tocaram o escuro mais claro de minha vida. Na fileira alta do fim, o rosto deitado na vidraça, aos solavancos das curvas, poucos passageiros noturnos, o motorista louco para terminar sua derradeira corrida e garfar um prato quente em sua casa, e eu envolvido com a textura da pele, envaidecido de ser homem. Não dormiria até a minha parada. A mão imperiosamente me acordava ao coçar a barba. A mão era um ônibus sem cobrador. Uma mão que não poderia retomar ao seu serviço. Uma mão que não era mais útil, mas estranha e poética, como o esboço em giz que seria depois coberto pela tinta a óleo. Não era mais uma mão para acenar. Uma mão para cumprimentar e dar boas-vindas. Uma mão para apartar brigas, apertar copos. Uma mão para esconder no bolso, prometer ofensas. Não fazia questão de segurar uma caneta e desperdiçar seu vigor com a própria carne. Uma mão que não tocaria as cordas de um violão com o mesmo gosto. Que não abriria as janelas com o mesmo deslumbramento. Que seria banal e entediada nas festas que tanto gostava, que largaria os talheres mais cedo nos almoços de família. Uma mão exigente, viciada, dependente de outro sorvo. Um segredo, uma maldição na mão, que a condicionava a crescer e se despedir de antigos deleites. Uma mão egoísta, egoísta, egoísta. A mão não seria mais jovem a partir daquele momento. Suas veias dilatadas pela extinção da inocência. Destinada a envelhecer mais rápido, a desdenhar do sofrimento. Não aceitaria carona, não pediria cuidado. Uma mão febril, indisposta ao quique da bola e à arruaça dos amigos pelo jogo. Uma mão triste por ser a última a ficar no quarto. A última a lembrar. A última a doer a despedida. Cuidava para que ninguém me olhasse e cheirava novamente. Minha cola de sapateiro. Meu loló. Meu blusão de unhas embebido de pomar e neblina. Inspirava fundo, enchia o pulmão, sem me preocupar em perder a consciência. O cheiro do sexo dela. Toda nudez de uma mulher ainda estava deitada no dorso da mão.

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Adélia Prado