terça-feira

VIVER DE MENTIRAS OU VIVER NUMA MENTIRA?


Fabrício Carpinejar

Ela ressuscitava lembranças, gargalhava horrores com suas amigas, bebia e não deixava a voz descansar no guardanapo. O telefone tocou. Era seu marido. Buscava saber como ela estava. Por uns minutos, trocou o timbre, para uma escala preocupada e grave: "Aqui está horrível, o vinho é ruim, estou com dor de cabeça, só preciso encontrar um jeito de sair educadamente". E desligou, com beijos e não se preocupe. Voltou a se animar como se nada tivesse acontecido. Ao seu lado, efusivamente indiscreto, não absorvi a confissão, destoava do que enxergava. A jovem lépida e incontrolável, propondo brincadeiras e teimando para que a noite fosse uma criança em seu seio, de repente afirmava que nada prestava. Dupla personalidade? Não, ela explicou: "Se eu conto para meu marido que estou feliz e me divertindo, ele pensará bobagem e ficará doendo de inveja". Sou infelizmente igual. Maldição viril. Ela tem razão. É uma mentira - não diria saudável - terapêutica. O homem não agüenta que sua mulher seja feliz sem ele por perto (a mulher também, mas em menor grau). Botou um marca-passo no coração e exige exclusividade secreta e informal. É possessivo, mesmo que finja que é despreocupado. Em sua imaginação, há demônios jogando carniça. Não suporta que ela tenha passado, muito menos suporta que tenha futuro solitariamente. Isso afeta diretamente sua independência. Ele raciocina de um modo distorcido e infeliz: se sua mulher descobrir que é mais alegre na rua, fará uma varredura na relação e perceberá que vem perdendo tempo, encalhada em casa e no estado civil. Não dormirá ao constatar que sua mulher é mais plena ao voltar do que ao sair. Tem a noção de que unicamente a alegria é capaz de separá-los. A alegria separa mais do que a tristeza, porque a tristeza reúne e a alegria dispersa. Casais atravessando uma crise financeira, atravessando a morte de um familiar, atravessando uma briga na Justiça, atravessando críticas tendem a se fortalecer. O homem morre de medo da comparação, teme que ela descubra novos gostos, novos olhares, em outras esferas e gentilezas. Ele escolhe a retranca para manter o resultado. Perde o jogo por excesso de cautela. O homem tem a síndrome passiva do corno. Todo homem sozinho dentro de si é corno, filho mimado de sua insegurança. É corneado pelos seus próprios pensamentos. O homem não confia em si por isso não confia em sua mulher. Talvez seja uma explicação para que os casais percam seus amigos de solteiro. Seus amigos de infância. Aceitam assinar um contrato de cessão de direitos autorais e desistem de conviver em nome do que julgam ser destino, mas é apenas acomodação paranóica. O amor é uma ameaça, porque depende de um nível de desprendimento que se aproxima da fé e não pode escorregar na indiferença. O amor - no fundo arenoso de suas dúvidas - não aceita amadores.

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Adélia Prado