quarta-feira

A bela azul


Rubem Alves

Como a Terra é bela! Certos estavam os teólogos e astrônomos antigos em colocá-la no centro do universo! Os astrônomos modernos e os geômetras se riram da sua ingenuidade e presunção... Ora, a terra, essa poeira ínfima, perdida em meio a bilhões de estrelas e galáxias centro em torno do qual todo o universo gira?
Mas eles, cientistas, não sabem que há duas formas de determinar o centro. Pode-se determinar o centro com o cérebro e pode-se determinar o centro com o coração. O cérebro mede o espaço vazio com réguas e calculadoras para assim determinar o seu centro geométrico. Mas para o coração o centro do universo é o lugar do amor...
Para o pai e a mãe, qual é o centro de sua casa? Não será porventura o berço onde seu filhinho dorme? E para o trabalhador na roça, cansado e coberto de suor, o centro do mundo não é uma fonte de água fresca? Naquele momento, tudo o mais, que lhe importa? Chove e faz frio. A família inteira se reúne em torno da lareira, onde o fogo crepita. Ali se contam estórias...E sabe o apaixonado que o centro do mundo é o rosto da sua amada, ausente...
O centro do universo para os homens que vivem, amam e sofrem nada tem a ver com o centro geométrico do universo dos astrônomos.
Assim sentiu Deus... Dizem os poemas da Criação que, terminada a sua obra, seus olhos se voltaram não para o infinito dos céus vazios mas para a beleza da Terra. Olhou para o jardim, para suas árvores, pássaros e regatos, e sorrindo disse: "É muito bom!" Sim. É bom porque é belo. A Terra é o centro do universo porque é bela. E a beleza nos faz felizes.
Recebi de um amigo, via Internet, uma série de fotografias da Terra, tiradas de um satélite. Vinha com o nome de "A Bela Azul". Que lindo nome para a nossa Terra! Porque é com a cor azul que ela aparece. De dia, iluminada pela luz do sol, de noite brilhando com as luzes dos homens. Lembrei-me de um verso de Fernando Pessoa: "... e viu-se a Terra inteira, de repente, surgir, redonda, do azul profundo". (Fernando Pessoa, "Obra Poética", p.78).
Nietzsche era um apaixonado pela Terra. Dizia que era uma deformação do espírito, num dia luminoso, ficar em casa lendo um livro quando a natureza está lá fora fresca e radiante. É possível imaginar que ele, que proclamou a morte de Deus, tenha secretamente eleito a Terra como seu objeto de sua adoração. Vejam os que ele escreveu:
"... Eu me encontrava ao pé das colinas; tinha uma balança nas minhas mãos e pesava o mundo... Com que certeza meu sonho olhava para esse mundo finito - sem fazer perguntas, sem desejar possuir, sem medo e sem mendigar... Era como se uma maçã inteira se oferecesse à minha mão, maçã madura e dourada, de pele fresca, macia, aveludada: assim esse mundo se ofereceu a mim... Como se uma árvore me acenasse, galhos longos, vontade forte, curvada como um apoio, lugar mesmo de descanso para o caminhante cansado, assim estava o mundo ao pé das minhas colinas... Como se mãos delicadas me trouxessem um escrínio aberto para o deleite de olhos tímidos, olhos que adoram, assim o mundo se ofereceu hoje a mim. Não era um enigma que assusta o amor humano; não era uma solução que faz dormir a sabedoria humana. Era uma coisa boa, humana: assim o mundo foi, para mim, hoje, embora tanto mal se fale dele..."
Mas agora anunciam os cientistas que A Bela Azul está agonizante...

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