sexta-feira

Cartas do Coração


Visconde de Valmont a Madame de Tourvel

Após uma noite de tempestade, e durante a qual eu não pude fechar os olhos; após ter estado sem cessar na agitação de uma paixão devoradora ou na completa dissolução de todas as faculdades de minha alma, venho procurar junto à senhora a calma da qual preciso e que, no entanto, não penso ainda poder usufruir. Com efeito, a situação na qual me encontro ao escrever-lhe me faz conhecer como nunca o poder irresistível do amor; eu mal posso manter suficiente domínio sobre mim para dar alguma ordem às minhas idéias; e já prevejo que não terminarei esta carta sem ser obrigado a interrompê-la. Como!Então não poderei esperar que a senhora um dia partilhe o tormento que sofro neste momento?Ouso acreditar, no entanto, que, se a senhora o conhecesse bem, não lhe seria completamente insensível. Creia-me, senhora, a fria tranqüilidade, o sono da alma, imagem da morte, não levam à felicidade; apenas as paixões ativas podem a ela conduzir; e, apesar dos tormento que por sua causa sofro, creio poder assegurar sem medo que, neste momento, sou mais feliz que a senhora. Em vão me arruína com seus rigores, eles não me impedem de me entregar inteiramente ao amor, e de esquecer, no delírio que ele me causa, o desespero ao qual a senhora me entrega. É assim que eu quero me vingar do exílio ao qual me condena. Nunca tive tanto prazer em escrever-lhe. Nunca senti, nesta ocupação, uma emoção tão doce e no entanto tão viva. Tudo parece aumentar meu enlevo: o ar que respiro é pleno de volúpia; a própria mesa sobre a qual eu lhe escrevo, consagrada pela primeira vez a este uso, torna-se para mim o altar sagrado do amor; de tal forma ela ficara mais bela a meus olhos! Eu traçaria sobre ela o juramento de sempre amá-la! Perdoa-me a desordem dos meus sentidos, eu lhe suplico. Eu deveria talvez me entregar menos a arrebatamentos que a senhora não partilha: é preciso deixa-la um momento para dissipar uma embriaguez que aumenta a cada instante, e que se torna mais forte do que eu.Retorno à senhora sempre com o mesmo entusiasmo. No entanto, o sentimento de felicidade fugiu para longe de mim; ele deu lugar ao das cruéis privações. De que me serve falar-lhe de meus sentimentos se procuro em vão os meios de convencê-la? Depois de tantos esforços reiterados, a confiança e a força me abandonam. Eu só encontro recursos na sua indulgência e neste momento sinto fortemente o quanto necessito obtê-la. Entretanto, nunca meu amor foi tão respeitoso, nunca ele deveria ser-lhe menos ofensivo; ele é de tal forma, ouso dizer, que a virtude mais severa não deveria temê-lo: mas eu mesmo temo prendê-la por mais tempo com a pena que sofro.Uma vez que a senhora não compartilha do objeto que a causa, ao menos não se deve abusar de sua bondade; e seria fazer isso empregar mais tempo a retraçar-lhe esta dolorosa imagem. Não faço nada além de suplicar-lhe que me responda, e que nunca duvide da veracidade de meus sentimentos.
(Paris, 30 agosto de 17**)

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""Erótica é a alma""

Adélia Prado